Khadouj chegou ao Brasil em dezembro de 2018, após quatro anos de tentativas de um de seus filhos para trazĂȘ-la ao paĂs. Abdulbaset Jarour, 30 (conhecido aqui como Abdul), é refugiado em São Paulo desde 2014 e não descansou enquanto não conseguiu tirar a mãe e a irmã caçula, Sedra, de sua cidade natal – que havia se transformado em um dos principais campos de batalha entre governo e oposição no conflito sĂrio. A Folha de S.Paulo acompanhou o reencontro emocionado da famĂlia no aeroporto de Guarulhos.
Durante o cerco a Aleppo, Khadouj e Sedra passaram frio, fome e dormiram de favor na casa de parentes ou no chão de acampamentos improvisados. No Brasil, a adaptação delas não foi fĂĄcil. Sem falar o idioma, em uma cultura muito diferente e lidando com traumas do passado, entraram em depressão.
Sedra acabou indo para o LĂbano em fevereiro deste ano para morar com outra irmã. A mãe tinha planos de se unir a ela, mas Abdul tentava regularizar os documentos quando a pandemia de coronavĂrus suspendeu os serviços do consulado. Outro filho se reuniu com eles e hoje vive com Abdul em São Paulo.
Assim como muitas mulheres sĂrias, Khadouj aprendeu com a mãe – e depois ensinou as filhas – a cozinhar. Era uma das coisas que mais gostava de fazer e cobrava de Abdul que conseguisse ingredientes tĂpicos difĂceis de encontrar no Brasil para poder reproduzir os pratos favoritos de sua terra. "Minha mãe era chef de cozinha. Todo dia fazia algo com um sabor diferente e era muito, muito bom. Aleppo tem 60 tipos de quibe, e ela conhecia todos. Também fazia um charuto delicioso, berinjela e abobrinha recheadas, doces", enumera ele.
Descrita por Abdul como uma mulher "alegre, comunicativa, com sangue quente e alma jovem", Khadouj fotografava e documentava tudo o que via em São Paulo para enviar às amigas e a familiares em outros paĂses. "Ela era muito querida e gostava de gente. Sempre falava um ditado ĂĄrabe que é "o paraĂso sem pessoas não é paraĂso'", diz. "Minha mãe foi muito guerreira, sofreu demais na vida. Nunca teve paz total. Quando chegava um momento mais calmo, logo vinham os problemas."
No mĂȘs passado, esse problema foi a Covid-19. Khadouj ficou 21 dias internada na UTI do Hospital das ClĂnicas. Por ser diabética e hipertensa, fazia parte do grupo de risco da doença, e seu estado se agravou.
Nas redes sociais, Abdul compartilhava as notĂcias que recebia dos médicos e pedia orações para Khadouj. No Ășltimo domingo, Dia das Mães, ele andou pela avenida Paulista com um cartaz em que incentivava as pessoas a respeitarem o isolamento e a ficarem em casa durante a pandemia. TrĂȘs dias depois, recebeu o telefonema que mais temia.
Khadouj foi enterrada no Cemitério Islâmico do Brasil, em Itapecerica da Serra, na própria quarta-feira (13).
Fonte: Banda B