SĂ­ria sobrevive à guerra, reencontra o filho no Brasil e morre de Covid-19

Por Redação em 15/05/2020 às 09:14:49

Khadouj chegou ao Brasil em dezembro de 2018, após quatro anos de tentativas de um de seus filhos para trazĂȘ-la ao paĂ­s. Abdulbaset Jarour, 30 (conhecido aqui como Abdul), é refugiado em São Paulo desde 2014 e não descansou enquanto não conseguiu tirar a mãe e a irmã caçula, Sedra, de sua cidade natal – que havia se transformado em um dos principais campos de batalha entre governo e oposição no conflito sĂ­rio. A Folha de S.Paulo acompanhou o reencontro emocionado da famĂ­lia no aeroporto de Guarulhos.

Durante o cerco a Aleppo, Khadouj e Sedra passaram frio, fome e dormiram de favor na casa de parentes ou no chão de acampamentos improvisados. No Brasil, a adaptação delas não foi fĂĄcil. Sem falar o idioma, em uma cultura muito diferente e lidando com traumas do passado, entraram em depressão.

Sedra acabou indo para o LĂ­bano em fevereiro deste ano para morar com outra irmã. A mãe tinha planos de se unir a ela, mas Abdul tentava regularizar os documentos quando a pandemia de coronavĂ­rus suspendeu os serviços do consulado. Outro filho se reuniu com eles e hoje vive com Abdul em São Paulo.

Assim como muitas mulheres sĂ­rias, Khadouj aprendeu com a mãe – e depois ensinou as filhas – a cozinhar. Era uma das coisas que mais gostava de fazer e cobrava de Abdul que conseguisse ingredientes tĂ­picos difĂ­ceis de encontrar no Brasil para poder reproduzir os pratos favoritos de sua terra. "Minha mãe era chef de cozinha. Todo dia fazia algo com um sabor diferente e era muito, muito bom. Aleppo tem 60 tipos de quibe, e ela conhecia todos. Também fazia um charuto delicioso, berinjela e abobrinha recheadas, doces", enumera ele.

Descrita por Abdul como uma mulher "alegre, comunicativa, com sangue quente e alma jovem", Khadouj fotografava e documentava tudo o que via em São Paulo para enviar às amigas e a familiares em outros paĂ­ses. "Ela era muito querida e gostava de gente. Sempre falava um ditado ĂĄrabe que é "o paraĂ­so sem pessoas não é paraĂ­so'", diz. "Minha mãe foi muito guerreira, sofreu demais na vida. Nunca teve paz total. Quando chegava um momento mais calmo, logo vinham os problemas."

No mĂȘs passado, esse problema foi a Covid-19. Khadouj ficou 21 dias internada na UTI do Hospital das ClĂ­nicas. Por ser diabética e hipertensa, fazia parte do grupo de risco da doença, e seu estado se agravou.

Nas redes sociais, Abdul compartilhava as notĂ­cias que recebia dos médicos e pedia orações para Khadouj. No Ășltimo domingo, Dia das Mães, ele andou pela avenida Paulista com um cartaz em que incentivava as pessoas a respeitarem o isolamento e a ficarem em casa durante a pandemia. TrĂȘs dias depois, recebeu o telefonema que mais temia.

Khadouj foi enterrada no Cemitério Islâmico do Brasil, em Itapecerica da Serra, na própria quarta-feira (13).

Fonte: Banda B

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