Epic Games contra Apple: por que o jogo 'Fortnite' está desafiando o modelo de negócios da App Store na Justiça

Por Redação em 15/09/2020 às 08:22:21
Desenvolvedora de games acusa fabricante do iPhone de monopólio ilegal e taxas abusivas em pagamentos. Apple defende que loja melhora a segurança dos usuários e gera 'valor' para criadores de apps.

'Fortnite' pode ser jogado de graça, mas desenvolvedora vende itens digitais adquiridos com créditos. Compra pode ser feita fora do app, mas Apple proíbe divulgação.

Divulgação

A desenvolvedora de jogos Epic Games iniciou uma batalha judicial contra a Apple, alegando que a fabricante do iPhone exerce um monopólio ilegal sobre a distribuição de aplicativos para seus sistemas operacionais.

No centro do embate está a taxa de 30% cobrada pela Apple em pagamentos dentro de aplicativos.

O jogo "Fortnite" foi removido da App Store, do iPhone, quando foram oferecidos descontos na compra de "V-Bucks" (a moeda virtual do "Fortnite") para quem comprasse diretamente da Epic, sem a intermediação do sistema de pagamentos da Apple.

De acordo com as regras da App Store, conteúdos digitais – como as personalizações do "Fortnite" – só podem ser adquiridos por intermédio do sistema da Apple.

A fabricante do iPhone alega que o ecossistema do iOS oferece uma rede de proteção para os consumidores e que isso também é positivo para os próprios desenvolvedores, que podem distribuir seus apps nesse ambiente confiável para construir sua base de usuários.

A taxa de 30%, portanto, é o que paga pelo "serviço" de garantir a segurança da plataforma e também funciona como uma espécie de pedágio para que os desenvolvedores possam chegar aos consumidores já usufruindo da confiabilidade do ecossistema.

A informação sobre a taxa da Apple é relevante: nem todos os aplicativos estão sujeitos a ela. Em abril, a Apple confirmou que o Amazon Prime Video ficou de fora da regra.

Apps que prestam serviços fora do ecossistema digital também normalmente não precisam pagar a taxa.

Do ponto de vista da Apple, a Epic sabia que o Fortnite era obrigado a pagar – por ser um jogo – e mesmo assim contrariou suas regras, "criando" um problema que não deveria existir.

No processo, a fabricante do iPhone revelou e-mails enviados pela desenvolvedora de jogos solicitando uma diminuição da taxa de 30% – mas a proposta foi negada.

Para a Epic, a decisão da Apple de remover o "Fortnite" da App Store é apenas uma demonstração da força desproporcional que a marca está disposta a exercer para controlar o iOS.

A desenvolvedora também diz que isso prejudica o consumidor, já que o custo da taxa precisa ser repassado e os clientes nem sempre estão cientes disso.

Epic Games ofereceu valor menor para quem comprasse créditos sem usar a App Store. Pagamento direto contornava taxa de 30%, mas Apple proíbe a prática.

Reprodução/Epic Games

Lojas são benéficas, mas monopólio é opcional

A Apple não está errada em afirmar que as lojas de aplicativos contribuem com a segurança.

Quando um consumidor pode contar com um intermediário para obter seus programas e jogos, fica mais fácil descobrir novos apps e assumir o risco de baixar programas desconhecidos – desde que tenham o "aval" da loja em que o usuário confia.

Como saber se você está baixando um aplicativo legítimo ou oficial

Embora tenha vantagens, o modelo de "loja única" adotado no iOS é opcional, inclusive para a própria finalidade de oferecer segurança. E se a Apple pode oferecer segurança sem condicioná-la às restrições da App Store, o argumento perde sustentação.

No Microsoft Windows, usuários podem baixar jogos a partir de diversos fornecedores, como Steam, GOG e Epic Game Store, da própria Epic, além da loja oficial da Microsoft.

Nenhuma dessas lojas tem apresentado problemas com pragas digitais ou outros incidentes que coloquem em dúvida a credibilidade desses espaços.

É claro que essas lojas também cobram taxas para distribuir os programas listados, mas os desenvolvedores têm liberdade para vender softwares em qualquer lugar e usar o serviço de pagamento que preferirem – e podem, em muitos casos, até controlar os preços para repassar vantagens para os consumidores.

Para o sistema macOS, que a Apple usa em notebooks e computadores, foi adotado um processo de certificação que exige o cadastramento de todos os aplicativos em uma base de dados.

Após o aplicativo ser liberado, o desenvolvedor tem liberdade para distribuí-lo da maneira que preferir – e a Apple ainda tem o poder de bloquear programas que demonstrarem comportamentos maliciosos (o que aconteceu recentemente).

Epic parodiou comercial da Apple de 1984 que anunciava lançamento do computador Macintosh, com referências à obra '1984' de George Orwell. Paródia critica 'autoritarismo' da App Store.

Reprodução

Custo invisível e monopólio

A "loja única" é sem dúvida menos confusa para os consumidores. Mas qualquer possibilidade de escolha em um mercado gera esse tipo de dúvida ou confusão. Afinal, nem sempre é fácil para o consumidor decidir qual oferta é melhor.

Quando o consumidor não tem direito de fazer a escolha, existe uma chance maior de que algumas atitudes sejam contrárias ao interesse dos próprios usuários. Dois casos recentes envolvendo a App Store ilustram exatamente esse risco.

Um deles envolveu o Facebook. A rede social pretendia distribuir uma atualização do aplicativo informando usuários que a compra de ingressos para eventos on-line seria intermediada pela Apple, que ficaria com 30% da receita.

O Facebook entendeu que era necessário esse esclarecimento, pois a rede social não ficaria com nenhuma parcela das vendas.

Contudo, a Apple bloqueou a atualização e alegou que o aplicativo estava apresentando informações desnecessárias.

Por regra, a Apple proíbe qualquer aplicativo de mencionar a possibilidade de realizar compras fora do app, na web (sem usar o método de pagamento da App Store), mas a restrição de mencionar a própria taxa cobrada – que é uma informação pública – surpreendeu.

Outro caso envolveu a Microsoft, que não pôde cadastrar o aplicativo do xCloud para o iOS. O xCloud é um serviço de jogos por streaming.

Nesse tipo de serviço, o jogo em si é executado em um servidor na nuvem, enquanto o celular é apenas usado para enviar comandos e visualizar o jogo em forma de vídeo.

A Apple alegou que a Microsoft deveria enviar cada jogo para ser aprovado para o iOS individualmente – uma regra que não existe para outras plataformas de conteúdo, como Netflix e YouTube.

Como os jogos são executados em forma de vídeo interativo, o "conteúdo" não representa nenhum risco de segurança para os usuários.

Processo está no início, mas Apple ajustou diretrizes

Por enquanto, a Justiça dos Estados Unidos concedeu uma vitória para a Apple e outra para a Epic Games.

Em benefício da Apple, a Justiça manteve o "Fortnite" fora da App Store. Isso significa que donos de iPhone não podem mais baixar o jogo – o que acabou gerando um mercado paralelo para iPhones usados que já possuem o jogo instalado e funcionando. Em alguns casos, esses aparelhos foram vendidos por valores acima do preço dos novos.

Por outro lado, a Justiça obrigou a Apple a reativar a conta de desenvolvedor da Epic Games. Como desenvolvedora do "Unreal Engine", um motor 3D para a criação de jogos, a Epic é responsável pela tecnologia de muitos outros jogos.

Sem acesso às ferramentas de desenvolvimento da Apple, a "Unreal Engine" ficaria prejudicada no iOS, gerando problemas para outros games além do "Fortnite".

Ou seja: a Justiça basicamente decidiu que a briga deve se restringir ao "Fortnite". A Epic Games, no entanto, quer algo muito maior: a transformação do cenário de distribuição de aplicativos para o iPhone, permitindo que outras empresas atuem nesse mercado.

Mesmo com o 'empate' na Justiça, a Apple afrouxou diretrizes da App Store na semana passada, permitindo apps de "catálogo" (o que pode ajudar a viabilizar o xCloud da Microsoft no iPhone) e esclarecendo melhor quais apps não estão sujeitos à taxa de 30%.

A Epic, porém, quer mais. A empresa alega que a Apple não pode usar sua força em um mercado (o monopólio de distribuição de aplicativos) para garantir dominação em outro mercado (o meio de pagamento usado pelos apps).

Se essa linha de raciocínio prosperar na Justiça, um modelo de negócios inteiro – baseado na distribuição e de apps e serviços vinculados a hardware – pode cair por terra.

Embora a Apple seja a referência desse modelo, outras empresas (como a Microsoft, o Google e a Samsung) vinham dando sinais de que tentariam replicá-lo – um revés na Justiça para a Apple poderia obrigar uma mudança de estratégia também para essas marcas.

Uma estimativa da emissora de televisão CNBC aponta que a Apple faturou US$ 15 bilhões (cerca de R$ 82 bilhões) com sua fatia de 30% das vendas da App Store em 2019.

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Fonte: G1

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