Conselho de medicina muda regras de reprodução assistida, e médicos veem entraves e aumento de custos

Por Redação em 02/07/2021 às 21:55:51

Um conjunto de novas regras publicadas pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) para reprodução assistida tem gerado preocupação entre médicos e grupos de pacientes.

Para eles, parte das medidas devem dificultar o acesso à técnica, diminuir a taxa de sucesso de procedimentos e aumentar custos -que já são altos.

Entre os pontos tidos como polêmicos na nova regra, está trecho que limita a oito o número de embriões que podem ser gerados em laboratório no processo de reprodução assistida. Antes, não havia limite fixado.

Outra alteração é a necessidade de aval judicial para descarte de embriões congelados, o que não era exigido até então.

Agora, entidades tentam convencer o CFM a rever algumas das mudanças, publicadas em resolução divulgada neste mês.

Foto: Burger/Phanie/AFP

Em geral, o processo de reprodução assistida envolve, em uma primeira etapa, o uso de injeções de hormônios para estimular a ovulação, momento após o qual é feita a coleta de óvulos para a fecundação.

Nesse processo, médicos costumam fertilizar mais óvulos para poder ter garantia de gerar alguns embriões e, em seguida, selecionar aqueles com mais chances de se desenvolverem. A nova resolução do CFM, no entanto, limita esse processo.

Para a médica Hitomi Nakagawa, presidente da SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida), a mudança pode diminuir as chances de sucesso desse procedimento a algumas mulheres, levando à necessidade de novas tentativas.

“Foi colocado na resolução de forma como se uma mulher de 30 anos e de 40 anos fosse de mesmo perfil, e não é”, diz, sobre fatores que interferem no processo, como idade ou histórico de doenças genéticas.

“Na prática, muitas mulheres que vão tentar podem ter menos chances de conseguir. A proposta faz com que em alguns casos não se tenha nem embrião para transferir [ao útero].”

O resultado, diz, será ter que repetir o procedimento, aumentando custos–em geral, o tratamento custa entre R$ 15 mil a R$ 30 mil– e o desgaste em torno das tentativas. “É preocupante”, afirma.

Segundo Nakagawa, estatísticas da literatura médica apontam de 15 a 20 óvulos como o ideal para serem trabalhados na reprodução assistida, já que o total de embriões a serem gerados tende a ser menor.
Com a nova regra, esse total tende a diminuir.

“E se limito o número de óvulos com medo de sobrar embrião, eu limito o processo. Isso diminui as chances da paciente, que vai ter que fazer mais procedimentos”, afirma Rui Alberto Ferriani, da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), que cita risco de dificultar o acesso à técnica.

“Sabemos tem pacientes que só têm recursos para um ou no máximo dois ciclos”, aponta.

Para Nakagawa, a medida pode impactar também na oferta de serviços na rede de saúde –sobretudo no SUS, onde o acesso já é limitado a pouquíssimos centros no país.

Atualmente, o país tem 183 centros de reprodução assistida, a maioria na rede privada, segundo dados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Levantamento da agência no Sistema Nacional de Produção de Embriões mostra que, em 2019, ano dos registros mais recentes, foram 44 mil ciclos de fertilização in vitro. Para comparação, em 2012, foram 21 mil.
Os números dão parte da dimensão do impacto da busca por esses serviços.

Outro ponto que vem gerando debate são as novas regras de descarte de embriões congelados, que passam a ser necessitar de aval judicial, mesmo com autorização expressa dos pacientes.

“Isso retira a autonomia médica”, aponta Ferriani, que também vê aumento de custos com a medida. “Já tive caso de pacientes que divorciaram e não desejavam mais manter. Em um caso como esse, agora já não pode fazer o descarte [sem aval].”

Em meio aos impasses, alguns abaixo-assinados de pacientes já começam a serem compartilhados nas redes sociais. Um deles tem 6.500 assinaturas.

A medida também tem gerado reação de outras entidades médicas, como a SBRH (Sociedade Brasileira de Reprodução Humana) e Pró-núcleo, que reúne embriologistas, que dizem em nota que pretendem verificar com o CFM a possibilidade de revisar as mudanças.

Para Henderson Fürst, presidente da comissão de bioética da OAB, as regras podem trazer impactos ao direito ao planejamento familiar, o que traz dúvidas sobre se a medida é constitucional.

Segundo ele, a comissão deve avaliar nos próximos dias a possibilidade de recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar reverter parte das alterações.

Outro ponto em discussão é a alteração no número de embriões que podem ser transferidos por idade.
Antes, a regra previa a possibilidade de transferir dois embriões para mulheres até 35 anos, três para entre 36 a 39 anos e quatro para acima de 40 anos. Agora, mulheres de até 37 anos podem implantar até dois embriões. Acima dessa idade, cada uma pode transferir até três, aponta o conselho.

Segundo médicos, o objetivo é diminuir o risco de gestações múltiplas.

O texto do CFM permite ainda a doação de gametas por parentes de até quarto grau, desde que não incorra em consanguinidade. A justificativa é adequar a regra a uma demanda frequente em ações judiciais.

Outra mudança diz respeito à chamada “gestação de substituição” (conhecida popularmente como barriga de aluguel, embora o processo não envolva lucro e tenha regras estabelecidas).

Segundo a medida, mulheres que aceitarem ceder temporariamente o útero devem pertencer à família de um dos parceiros em parentesco de até quatro grau e ter ao menos um filho vivo, exigência que não constava em resolução anterior.

Para o CFM, a medida tem como objetivo “oferecer maior segurança a todos os envolvidos no processo”.

“Do ponto de vista clínico, se a cedente do útero já passou uma gestação completa, possivelmente tem maiores chances de desenvolver uma segunda sem intercorrências, aumentando as chances de êxito na reprodução assistida. Além disso, o fato da cedente já ter gerado um filho pode ser fator para sua maior estabilidade emocional durante o processo”, aponta.

Questionado sobre as outras mudanças, o CFM diz que a limitação do número de embriões ocorreu após análise do plenário do conselho, que entendeu ser esse número o limite para que o médico não infrinja o parágrafo 1º do artigo 15 do Código de Ética Médica –que cita que “a fertilização não deve conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões supranumerários”.

Ainda segundo o CFM, a necessidade de aval judicial “visa impedir o descarte dos embriões pelas clínicas de fertilização à revelia dos responsáveis sob alegação de abandono”. O conselho não explicou, no entanto, o que leva à necessidade de autorização dos paciente também em outros casos.

Questionado sobre a possibilidade de alteração das normas, como pedem as entidades, o órgão diz que “segue aberto a receber contribuições para que possa aprimorar a regulamentação”.

Fonte: Banda B

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