"Fila do osso", inflação de dois dígitos e juros altos: o que aconteceu com a economia brasileira em 2021

Por Redação em 31/12/2021 às 07:30:18

A economia brasileira em 2021 foi marcada por uma série de flashbacks de diferentes momentos da história recente do país — bons e ruins —, somado à desarranjos nas cadeias de produção global, crise hídrica, repique da pandemia e o avanço da imunização da população contra a Covid-19. Os indicadores mostram que o país retornou ao patamar de 2019, ou seja, o Brasil conseguiu cancelar a fatura negativa emitida pela crise do novo coronavírus em 2020. Se em um primeiro momento esta retomada é motivo de celebração, vale lembrar que há dois anos o país já era alvo de críticas por ter uma economia que andava de lado e que precisava de reformas urgentes para sair da armadilha de baixo crescimento. Estes problemas continuam, e foram acrescidos pelos meios adotados para o religamento das atividades econômicas. Uma conjunção de fatores domésticos e internacionais trouxe de volta o fantasma da inflação, algo que não se via de forma tão intensa desde 2015, e fez toda uma geração reviver a dor de uma variação de preços acima dos dois dígitos. A resposta do Banco Central (BC) na escalada dos juros também foi algo que não se via há muito tempo. A autoridade monetária elevou a Selic a 9,25% ao ano em 2021, o registro mais expressivo desde 2017. A intensidade da alta também chamou a atenção. Já o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) para algo próximo de 5% esperado para este ano lembra o período de pujança econômica do fim dos anos 2000. O resultado expressivo, no entanto, é reflexo da base ruim de comparação com o desabamento de 3,9% do índice em 2020, e poderia ser melhor caso o desempenho não fosse desacelerado ao longo dos meses.

Por outro lado, a economia também retomou patamares positivos ao longo de 2021. A arrecadação de impostos da Receita Federal bateu uma série de recordes nos últimos meses, e no acumulado até outubro — o último divulgado — somava R$ 1,527 trilhão, 20,06% a mais do que no mesmo período do ano passado e o maior valor da série histórica iniciada em 1995. A geração de emprego também mostrou resultados satisfatórios. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostram que, no trimestre encerrado em setembro, o país reduziu a taxa de desemprego para 12,6%, nível semelhante ao de 12,4% observado ao fim do primeiro trimestre de 2020, quando o Brasil ainda não havia sido tomado em cheio pelos impactos da pandemia da Covid-19. A criação de empregos formais registrada pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e divulgados pelo Ministério do Trabalho e Previdência também mostram o salto no mercado de trabalho. Entre janeiro e outubro de 2021, o país criou mais de 2,6 milhões a mais do que fechou. Em 2020, o saldo acumulado no período era de 408 mil postos encerrados a mais do que abertos. Ao apresentar os dados da sua equipe, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que 2021 foi ano em que o Brasil se reergueu e a pandemia do novo coronavírus tombou. “Em 2020, a doença lançou o país na escuridão, havia temor de desorganização social, fome, desemprego em massa, além das centenas de milhares de mortes. Se eu tivesse que fazer uma síntese de 2021, diria que o Brasil se reergueu e a doença tombou”, afirmou.

Puxada por combustíveis e energia, inflação volta a assombrar

Impossível falar da economia de 2021 sem citar o novo despertar do dragão da inflação. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) surpreendeu todas as expectativas ao disparar para a casa de 10,74% do acumulado de 12 meses em novembro, o último dado divulgado pelo IBGE. A deterioração da expectativa do mercado foi publicada semanalmente pelo Boletim Focus, a pesquisa realizada pelo BC com mais de uma centena de instituições que por 35 semanas consecutivas aumentaram a previsão do IPCA ao longo de 2021. Na edição de segunda-feira, 27, o índice foi rebaixado para 10,02%, praticamente o dobro do teto da meta de 5,25% perseguida pela autoridade monetária, com centro de 3,75% e piso de 2,25%. O resultado oficial será publicado apenas em janeiro, mas o próprio BC descarta qualquer possibilidade de deixar o índice no intervalo de tolerância. Será a primeira vez que isso vai ocorrer desde 2015, quando o IPCA foi a 10,67% (com meta de 4,5% e margens de 2,5% e 6,5%).

Os combustíveis e a energia elétrica foram os grandes vilões da variação de preços em 2021. O primeiro grupo somou alta de 45,2% até novembro, puxada pelo avanço de 67,4% do etanol, 42,7% da gasolina (que superou a icônica marca de R$ 7 o litro nas bombas) e 41,3% do óleo diesel. O encarecimento é reflexo de dois fatores fundamentais: a disparada do barril de petróleo no mercado internacional e a desvalorização do dólar ante o real. O encarecimento dos combustíveis levou a novas ameaças de paralisações de caminhoneiros, e colocou, mais uma vez, a Petrobras na berlinda. O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez uma série de críticas à empresa pública, enquanto medidas para alterar o cálculo dos combustíveis foram aprovadas na Câmara e no Senado, mas ainda não foram sancionadas pela União. Já o encarecimento da energia elétrica ocorreu como reflexo da pior crise hídrica que o país enfrentou em quase um século. O desabastecimento dos reservatórios de hidrelétricas obrigou a ativação de usinas termelétricas, mais poluentes e que gastam mais para gerar energia. Com este aumento de custos, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) criou, em agosto, a inédita bandeira escassez hídrica, que acrescenta R$ 14,20 a cada 100 kWh consumidos. O peso fez disparar as tarifas e deu impulso para o avanço da inflação. No lado internacional, o mundo todo passou enfrentou o aumento dos custos da produção pelo desarranjo das linhas de produção principalmente pela falta de insumos, além do encarecimento para o frente causo pela alta dos combustíveis. Esta pressão global acabou sendo “importada” em parte pelo país, e foi fundamental para dar força ao fantasma do IPCA.

ipca acumulado em 12 meses novembro

Banco Central reage e alta dos juros prejudica retomada econômica

A disparada da inflação levou à reação enérgica do Banco Central com o maior choque nos juros visto nas últimas décadas. A Selic saiu de 2% ao ano em janeiro — o menor patamar da história — para 9,25% após uma sequência de apertos monetários. Sem esperanças para 2021, a autoridade monetária se volta ao esforço de atingir a meta em 2022, e já de olho nos efeitos em 2023. Mais do que trazer a inflação para baixo, o BC deixou claro em seus recados que o foco também está na ancoragem das expectativas, ou seja, mostrar credibilidade ao mercado de que consegue cumprir o seu papel. Para 2022, os analistas estimam que o IPCA fique em 5,02%, já acima do teto da meta de 5%, com centro de 3,5% e mínimo de 2%. Em diversas oportunidades, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, afirmou que a entidade vai levar a Selic até onde for necessário para fazer cumprir os seus objetivos. Isso inclui alargar o passo dos juros no campo contracionista, ou seja, quando o nível dos juros prejudica a retomada econômica com o encarecimento do “preço do dinheiro” para a tomada de crédito, o que leva a menos investimentos, menos criação de emprego e mais dificuldades sociais.

Empobrecimento leva população para a "fila dos osso"

A corrosão do poder de compra — e o consequente empobrecimento da população — são os efeitos mais nefastos da alta da inflação na sociedade, agravados pelas travas à economia impostas pela alta dos juros. O encarecimento de itens básicos, sobretudo os alimentícios, trouxe a fome de volta ao debate público brasileiro. Imagens das chamadas “filas dos ossos”, onde pessoas esperavam por horas para disputar doações de restos de açougues e supermercados, começaram a surgir em diversos cantos do país e forçou ação do poder público. A resposta veio na mobilização de grupos políticos para a aprovação do Auxílio Brasil, medida já apresentada em diversas ocasiões, mas que estava dormente devido aos embates para o seu financiamento. O programa, lançado em outubro, substitui o antigo Bolsa Família e só foi possível pelas costuras políticas para a abertura de R$ 108 bilhões no Orçamento de 2022 com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios. Em dezembro, o governo conseguiu cumprir a promessa de elevar o benefício para o valor mínimo de R$ 400. O número de famílias, no entanto, se mantém em 14,5 milhões, o mesmo do antigo benefício. Quando a ideia foi lançada, o governo prometeu alcançar 17 milhões de pessoas.

PEC dos Precatórios eleva riscos de controle dos gastos públicos

O ano de 2021 também ficou marcado pelo aumento das dúvidas dos investidores sobre a capacidade de o governo controlar a trajetória dos gastos públicos, traduzido pela disparada do risco fiscal. Após o ciclo justificado de grandes impactos nos cofres para amortecer os impactos da crise econômica, como a distribuição de dinheiro para os mais vulneráveis, programas para manutenção de empregos e isenções tributárias, era esperado que a situação se encaminhasse para a normalidade. O repique da Covid-19 no primeiro semestre deu uma sobrevida para a flexibilização dos gastos — inclusive a renovação do auxílio emergencial para quase 40 milhões de famílias – mas, a partir do arrefecimento dos números da doença, o mercado passou a externar a sua preocupação com o retorno da responsabilidade fiscal. Um dos principais meios dessa insatisfação derrubou o Ibovespa, referência da Bolsa de Valores brasileira, no terceiro trimestre a patamares não vistos há mais de um ano, e também foi alvo de alerta do Banco Central na justificativa da subida dos juros.

A defesa de Paulo Guedes para a aprovação da PEC dos Precatórios simbolizou esse arrefecimento da confiança dos investidores. O texto, fundamental para que o governo financiasse as parcelas do Auxílio Brasil, autoriza o governo a adiar o pagamento de precatórios, como são chamadas as dívidas já reconhecidas na Justiça, além de mudar o prazo de cálculo da inflação no teto de gastos, a principal âncora fiscal da economia brasileira. Para o setor privado, que via em Guedes o maior defensor da regra fiscal, foi um banho de água fria, principalmente pela medida ter sido feita às vésperas de ano eleitoral. O texto virou alvo de críticas, sendo classificado de “calote institucionalizado” e rompimento do teto dos gastos. Por diversas vezes, o ministro se defendeu ao dizer que a União não teria como arcar com os precatórios (que passaram de R$ 54,7 bilhões em 2020 para R$ 89,1 bilhões em 2021). Na outra ponta, o chefe da equipe econômica disse que a PEC era solução “menos ruim” para o Brasil em vista da urgência social gerada pela pandemia.

Vacina e retomada dos serviços dão fôlego ao PIB

Após meses de espera e muita briga política, no dia 17 de janeiro a enfermeira Mônica Calazans, funcionária do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, recebeu a primeira dose da CoronaVac e se tornou a primeira pessoa a se imunizar contra a Covid-19 no Brasil. O gesto trouxe um fio de esperança de que o pior estava para trás. Pouco mais de três meses, no entanto, a pandemia deu novo repique no país, e em abril bateu níveis recordes com mais de 4.000 mortes diárias. Os números foram revertendo em meio ao avanço da vacinação, e em alguns meses o Brasil se tornou referência no número de imunizados. Com parte da população protegida, foram aliviadas as medidas de isolamento social a partir do fim do início do segundo semestre, beneficiando principalmente o setor de serviço, o principal impacto do PIB e o responsável pelo maior mercado de trabalho doméstico.

A expectativa de crescimento, mais uma vez, se mostrou frustrada. O PIB do primeiro trimestre encerrou com alta de 1,2%, mas o desempenho logo foi revertido entre abril e junho, com queda de 0,4% pela recrudescimento da doença. O cenário negativo se manteve no terceiro trimestre, com recuo de 0,1%. A queda foi puxada pelo tombo histórico do agronegócio por causa de fatores climáticos, mas também teve influência dos gargalos nas indústrias e da queda do poder de compra da população. O dado confirmou a queda das expectativas do mercado para o desempenho do PIB. Após superar a marca de 5%, as previsões do Boletim Focus foram gradualmente revistas, chegando ao patamar de 4,51% na última edição publicada, no dia 27 de dezembro. As constantes revisões são contestadas por Guedes, que reafirma o discurso de que a economia brasileira voltou em “V” – quando uma forte queda é puxada por uma alta robusta. Pelos dados do governo federal, o país deve registrar crescimento de 5,1% em 2021.

Agenda de privatizações e grandes reformas anda de lado

A agenda de privatizações e grandes reformas propostas pelo Ministério da Economia também ficaram aquém do esperado pelo setor privado. Apesar da aprovação de projetos importantes, como a independência do Banco Central e de marcos regulatórios de grande relevância, como das rodovias e ferrovias, e a prorrogação da desoneração da folha de pagamento, as principais medidas defendidas por Guedes não conseguiram passar pelo Congresso. A reforma administrativa, que traz uma série de mudanças para os servidores públicos, chegou a ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados em setembro, mas desde então o texto está “empacado” e não foi levado ao plenário pela falta de apoio. Depois, a medida ainda precisa passar pelo Senado antes de ser sancionada por Bolsonaro. Já a reforma do Imposto de Renda — um dos trechos da reforma tributária — chegou a ser chancelada pelos deputados, mas encontrou resistência no Senado e foi completamente engavetada pelo relator Angelo Coronel (PSD-BA). A medida, amplamente defendida pelo ministro, previa a tributação de 15% para lucros e dividendos, além de reduzir a alíquota para pessoas jurídicas e ampliar a base de isenção de pessoas físicas. O clima de decepção foi externado pelo próprio chefe da equipe econômica, que afirmou que a agenda de reformas andou de muito menos do que eles gostariam.

As privatizações, outro pilar fundamental da agenda liberal de Guedes, também não registrou grandes avanços. A medida provisória para a venda da Eletrobras chegou a ser publicada no Diário Oficial da União com uma série de vetos e cercada de polêmicas pela inclusão de “jabutis” pelo Congresso, como são chamados os trechos acrescentados que não têm relação direta com o tema. O processo, no entanto, está parado no Tribunal de Contas da União (TCU) para uma série de análises que podem impedir a conclusão da venda. Os Correios, outra gigante controlada pela União, teve o seu nome incluído no Programa Nacional de Desestatização (PND) em março. Em agosto, a Câmara chegou a aprovar o projeto de lei para a venda da empresa. A medida, no entanto, mais uma vez encontra resistência no Senado, onde não registrou grandes avanços desde então. Os planos foram postergados para 2022. Para Guedes, é “inadmissível” que o governo encerre a sua primeira gestão sem conseguir concluir os processos de privatização das duas estatais. “A população votou em um presidente que se comprometeu com um programa de privatizações, e na hora que vamos privatizar outros poderes impedem? Isso cria um precedente desagradável. É perfeitamente natural que a gente consiga vender duas empresas que estão descapitalizadas e não conseguem manter a sua fatia de mercado”, afirmou.

Fonte: JP

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