A própria fornecedora do oxigĂȘnio hospitalar, a White Martins, reencaminhou ao Ministério da SaĂșde um ofĂcio que jĂĄ havia mandado, no dia anterior, ao governo do Amazonas. Uma cópia do documento foi anexada nos documentos entregues ao STF.
No ofĂcio, a White Martins afirma que "o imprevisto aumento da demanda ocorrido nos Ășltimos dias agravou consideravelmente a situação de forma abrupta". Essa demanda superava e muito a quantidade contratada pela Secretaria Estadual de SaĂșde.
A empresa chegou a indicar no ofĂcio o nome de outro empreendimento capaz de oferecer oxigĂȘnio aos hospitais, sem que isso violasse o contrato vigente, "dado o estado de calamidade pĂșblica em que o paĂs se encontra".
O iminente colapso do sistema de saĂșde em Manaus jĂĄ era de conhecimento do Ministério da SaĂșde desde a Ășltima semana de dezembro de 2020. Nos dias 3 e 4 de janeiro, reuniões do secretariado trataram dessa possibilidade de colapso, conforme a posição da AGU (Advocacia-Geral da União) ao STF.
Ficou decidido que uma comitiva seria enviada ao Amazonas. "Até então, o Ministério da SaĂșde não havia sido informado da crĂtica situação do esvaziamento de estoque de oxigĂȘnio em Manaus", afirma o advogado-geral. A pasta teve ciĂȘncia no dia 8, "por meio de e-mail enviado pela empresa fabricante do produto".
Nos dias 11, 12 e 13, o ministro da SaĂșde esteve em Manaus. No dia 14, a crise eclodiu. Pacientes com Covid-19 morreram asfixiados em hospitais da cidade. Faltou oxigĂȘnio inclusive no Hospital UniversitĂĄrio GetĂșlio Vargas, uma unidade federal.
A programação da visita de técnicos e secretĂĄrios a Manaus chegou a ser alterada diante do aviso sobre a situação crĂtica de escassez de oxigĂȘnio. Houve inspeções em espaços de armazenamento e manejo de oxigĂȘnio hospitalar, segundo a AGU. O governo passou a transportar cilindros, mas em quantidades muito inferiores ao necessĂĄrio.
"O colapso do estoque de oxigĂȘnio hospitalar na cidade de Manaus foi informado de maneira tardia aos órgãos federais, que empregaram toda a diligĂȘncia possĂvel para contornar a situação, sobretudo mediante a mobilização da Força Nacional de SaĂșde do SUS", diz Levi Mello na resposta ao STF.
O Ministério da SaĂșde afirma que jĂĄ mantinha em curso o Plano Manaus, com atuação conjunta, in loco, entre as trĂȘs esferas de poder (MunicĂpio, Estado e União). "Após a vistoria nas localidades, o ministério tem diligenciado diuturnamente pelo envio de remessas de oxigĂȘnio lĂquido e gasoso", cita a resposta da AGU.
Um procedimento preliminar de investigação foi instaurado pela PGR (Procuradoria-Geral da RepĂșblica) para apurar a conduta do ministro da SaĂșde diante da escassez de oxigĂȘnio. Ele foi oficiado neste domingo (17) para se explicar. Tem 15 dias para dar uma resposta.
O documento da AGU detalha ainda o tamanho dos estoques de medicamentos distribuĂdos no Amazonas pelo Ministério da SaĂșde, mesmo sem qualquer comprovação cientĂfica de eficĂĄcia para o tratamento da Covid-19. A pasta enviou 335 mil cĂĄpsulas de oseltamivir e 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina.
O ministério fez ações ostensivas para obrigar postos de saĂșde da cidade a prescreverem os medicamentos, interpretados como "tratamento precoce".
Na reunião que liberou os primeiros usos emergenciais de vacinas contra o novo coronavĂrus, a Anvisa (AgĂȘncia Nacional de Vigilância SanitĂĄria) deixou claro que esse tipo de tratamento não existe para a Covid-19.
A AGU ainda informou que, diante da escassez de oxigĂȘnio, o governo brasileiro buscou a ajuda de trĂȘs paĂses para tentar garantir o transporte do insumo até o Amazonas: Estados Unidos, Chile e Israel. Nenhum se materializou. Os trĂȘs paĂses são governados por polĂticos de direita ou extrema direita, o campo polĂtico de Bolsonaro.
O ministro Ernesto AraĂșjo (Relações Exteriores) chegou a falar por telefone com o secretĂĄrio de Estado dos EUA, Mike Pompeo, um dos principais nomes do governo de Donald Trump.
"Os Estados Unidos vĂȘm analisando a ajuda que poderão enviar ao Brasil, conforme a necessidade manifestada e os meios disponĂveis", informa o documento da AGU.
No caso do Chile, concluiu-se que a aeronave não seria adequada. Israel comunicou que havia um pedido semelhante do governo do Amazonas. Seria necessĂĄrio, primeiro, uma articulação entre as esferas estadual e federal.
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