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Congresso Nacional

Versão do Senado é "sensivelmente pior", e Câmara deveria voltar ao texto original, diz Zeina Latif sobre reforma tributária

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, aprovada no Senado Federal na última quarta-feira, 8, é “sensivelmente pior” do que a reforma tributária originada na Câmara dos Deputados.


Foto: Reprodução internet

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, aprovada no Senado Federal na última quarta-feira, 8, é “sensivelmente pior” do que a reforma tributária originada na Câmara dos Deputados. A avaliação é da economista-chefe da Gibraltar Consulting Zeina Abdel Latif. Em entrevista ao site da Jovem Pan, ela explica como as concessões de última hora aprovadas pela Casa Alta impedem que a matéria simplifique o sistema tributário em seu potencial máximo, fala sobre a surpresa – amarga – da permeabilidade dos senadores frente às pressões, e admite que, por ela, o texto dos deputados voltaria a prevalecer. “Quando se esperava que o Senado fosse uma Casa revisora, com debate mais qualificado, dessa forma se frustrou. Foram 285 emendas acatadas das 837 propostas, número maior do que as aprovadas na Câmara. Então, a aprovação traz uma preocupação”, disse Zeina à reportagem. Sobre a meta de déficit zero, a economista afirma que a projeção do Ministério da Fazenda nunca foi considerada factível e faz o balanço da economia em 2023. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

O Senado aprovou na última quarta-feira o texto da reforma tributária com algumas modificações da matéria inicialmente aprovada pela Câmara. Como a senhora avalia a reforma aprovada? Já tínhamos visto, na Câmara, algumas concessões, que fazem parte do jogo político, mas havia a preocupação se o Senado conseguiria conter, retirar algumas delas, mas sem grandes expectativas. Era um desejo, porque a tendência é que viriam uma fila de novos pedidos de tratamento especial [para setores]. Foi o aconteceu. Lamentavelmente, o Senado não conseguiu conter as concessões e se mostrou uma Casa muito permeável. Quando se esperava que o Senado fosse uma Casa revisora, com debate mais qualificado, dessa forma se frustrou. Foram 285 emendas acatadas das 837 propostas, número maior do que as aprovadas na Câmara. Então, a aprovação traz uma preocupação. Claro, a reforma tributária continua sendo um passo muito importante para melhorar o ambiente de negócios no Brasil, para a eliminação de muitas distorções, mas isso não significa que não decepciona o conteúdo final. E isso coloca uma luz na discussão do quanto o Brasil precisa avançar em reformas políticas para que consigamos ter políticos respondendo aos anseios da sociedade e o Congresso ficando menos permeável a grupos.

A senhora já havia criticado algumas concessões feitas no texto. Podemos dizer que com as novas concessões, o texto do Senado é pior que o da Câmara? Terminamos com uma reforma pior? Sensivelmente pior. O que acontece é que a reforma foi avançando no debate, naturalmente, vários seguimentos do setor produtivo e da sociedade foram buscando proteção, algumas até compreensíveis, outras absolutamente não compreensíveis. Conforme vai tramitando, vai aumentando fila, porque quem está de fora pensa ‘esse setor é parecido e conseguiu ter alíquota reduzida’, por isso seria importante um Congresso menos permeável à pressão e o poder Executivo com maior poder de agenda. O que temos hoje é uma combinação que acaba alimentando essa pressão dos setores e deu esse resultado. Por isso, precisaríamos não de uma reforma política ampla, porque não vejo espaço para essa discussão, mas o sistema precisa crescer no Brasil. Não estamos com um sistema político suficientemente maduro para essa reforma.

Em nossa última conversa, falamos sobre a possibilidade de aumento de impostos para alguns setores. Com o novo texto do Senado, a senhora teme que isso aconteça? Em princípio, vamos manter a mesma carga tributária. Não dá para afirmar de forma contundente. O ponto é: qual o objetivo da reforma? Não é aumentar a carga tributária, reduzir seria temerária. Então, a carga tributária será a mesma. O que acontece é que vamos ter maior racionalidade. Pensando da ótica do consumidor, claro que, quando se faz concessões, há o risco de beneficiar grupos da sociedade que não deveriam ser beneficiados. Por exemplo, na hora que faz uma isenção para advogados, que é um grupo seleto que oferece serviços, quem se beneficia? O usuário que tem mais recursos. Mesmo isenções na saúde, não é o mais pobre que se beneficia. O mais pobre utiliza o SUS (Sistema Único de Saúde). No caso dos advogados acho inaceitável, algumas concessões podem ser defensáveis, mas, no final, você está beneficiando mais as camadas mais privilegiadas. A reforma já é um salto? Já é um salto, mas poderia ser mais ambicioso, sim.

A matéria voltará à Câmara, e os deputados já sinalizaram na direção de algumas mudanças no texto. O que seria essencial melhorar para a reforma final? A discussão são as emendas supressivas. Sendo honesta, preferia que voltasse ao formato da Câmara. Claro, tem que analisar caso a caso, o que me vem, inicialmente, é a questão dos benefícios tributários, essas concessões de última hora, como para agências de viagens, o ideal seria eliminar. O setor ligado a eventos e agências tiveram problemas na pandemia, mas não tem nada com o sistema tributário. Não poderia ser argumento. Sistema tributário é de longo prazo. Realmente, são decisões equivocadas que vão diminuir a complexidade do sistema aquém do que seria possível. Poderíamos ser mais ambiciosos.

Críticos da matéria dizem que votaram contra a PEC porque são contra ‘o maior IVA do mundo’. O texto aprovado de fato traz ao Brasil a maior alíquota? Hoje já é assim, o fato é que não temos consciência, não sabemos. A ideia da reforma tributária não é reduzir carga, é manter. A única coisa que vai ficar é explícita (a carga de tributos), o que é muito importante. Sabermos certinho qual o tamanho do IVA é um salto importante para o país, porque você ter consciência política disso muda agenda política do país. Essa transparência tem um potencial importante para alimentar o anseio por outras reformas. Vamos consumir um bem e saber qual o tamanho do IVA. É um tremendo avanço.

Além da reforma tributária, outro destaque foi a discussão sobre o descumprimento da meta fiscal. O quão factível a senhora achava a projeção de déficit zero desde o início? Em nenhum momento, nem eu e nenhum analista viu como crível os anúncios de resultado fiscal. Na época, eu mesma escrevi que haveria mudança de meta, porque a conta não fecha. Primeiro que seria necessário aumento de carga tributária e achava e continuo achando o timing ruim, não era momento. Já havia essa ideia de que era pouco factível. O arcabouço tem um problema de inconsistência interno, isso já ficou claro. A implementação é difícil, e a fala do Lula é a comprovação dessa dificuldade. O problema é que nem começou o jogo e já estão mudando as regras, do ponto de vista da credibilidade, fica muito prejudicado.

Para encerrar, faltando menos de dois meses para o fim de 2023, qual o balanço do ano da economia? Estou no grupo de economistas que se surpreenderam positivamente com a economia. Quando olhávamos as projeções para o PIB, os modelos mostravam sempre uma sensibilidade desde o período Dilma. O que estamos notando agora é uma resiliência da economia. Essa resiliência é um sinal bom. Uma parte é pelo aumento de gastos tanto via consumo das famílias e gastos do governo, mas o ponto é que a retomada das reformas já vão trazendo benefícios e dando essa maior resiliência. Isso me surpreendeu. Uma coisa é falar que as reformas são positivas e cedo ou tarde colhemos frutos, o fato é que aparece. Claro que a prova mais concreta da melhora da economia seriam os investimentos subindo, mas há algum sinal de potencial de aumento da economia.

JP

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