Apuração da Receita de Limeira originou processo no STF sobre uso de dados financeiros em investigações

Por Redação em 20/11/2019 às 07:00:12

Em julho deste ano, o ministro Dias Toffoli, no âmbito deste processo, suspendeu temporariamente centenas de investigações no país que utilizam dados da Receita e da UIF, a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL). Plenário do Supremo Tribunal Federal, que nesta quarta-feira decide sobre uso de dados da Receita em investigações

Rosinei Coutinho / SCO / STF

Uma apuração da Delegacia da Receita Federal de Limeira (SP) contra um casal dono de postos de combustíveis originou a controvérsia em torno do uso de dados da Receita em investigações. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) e vai a julgamento nesta quarta-feira (20) no plenário da corte.

No âmbito deste processo, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, atendeu a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e suspendeu em julho deste ano todas as investigações em curso que utilizavam informações sigilosas, sem ordem judicial, compartilhadas pela Receita e pela Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

No julgamento desta quarta, o STF deverá decidir qual o tipo de compartilhamento será autorizado entre a Receita e o MP. O genérico (com informações parciais) ou detalhado (informações completas). Alguns órgãos de investigação têm afirmado que o compartilhamento genérico prejudica o avanço de investigações. Advogados afirmam que o compartilhamento detalhado equivale à quebra de sigilo, o que só pode ocorrer com autorização judicial.

A origem

Apesar da suspensão dos procedimentos investigatórios ter sido solicitada pela defesa do senador, o caso em si não tem relação com Flávio Bolsonaro. A ação iniciou após uma autuação da Receita Federal de Limeira contra o casal Hilário Chinçaku Hashimoto e Toyoka Jandira Hashimoto, comerciantes de Americana (SP).

Segundo o processo, auditores fiscais cruzaram dados das movimentações bancárias dos acusados com suas declarações anuais de imposto de renda e constataram omissões ao Fisco. Hilário é acusado de omitir, entre os anos de 2000 a 2001, rendimentos de R$ 1.752.561,37. E Toyoka, também entre os anos de 2000 a 2001, valores da ordem de R$ 1.718.598,42.

Ministro Toffoli decidiu revogar a decisão que exigia relatórios de inteligência financeira de 600 mil pessoas físicas e jurídicas.

Renato Costa/FramePhoto/Estadão Conteúdo

Hilário alegou que era proprietário de quatro postos de combustível, que passavam por dificuldades financeiras, o que o levou a realizar empréstimos bancários por meio de sua conta particular, uma vez que não conseguia realizá-los pela conta bancária da pessoa jurídica. E que os valores que circularam por sua conta bancária pessoal derivaram desses empréstimos bancários, destinados ao negócio com postos de combustível. Afirmou, também, que Toyoka auxiliava "muito pouco" na administração dos postos de combustível, mais especificamente na área da contabilidade. Ela deu a mesma versão.

Com as informações compartilhadas pela Receita, a Procuradoria da República de Piracicaba, responsável por Americana, denunciou criminalmente o casal à Justiça por sonegação fiscal. O juiz João Carlos Cabrelon de Oliveira, da Vara Federal de Piracicaba, considerou válido o uso de dados do Fisco na investigação e condenou, em 2014, Hilário à pena de dois anos e 11 meses em regime aberto e Toyoka à pena de dois anos, sete meses e 15 dias, também em regime aberto.

A defesa do casal, então, recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF3), em São Paulo, alegando que a Receita e o MPF quebraram o sigilo fiscal do casal sem autorização judicial. O TRF3 acatou a tese e anulou a sentença da Justiça Federal de Piracicaba em outubro de 2016. O relator da ação, desembargador José Lunardelli, disse no voto que encontrou nulidade na ação penal "em razão do indevido compartilhamento de dados sigilosos obtidos pela Receita Federal junto às instituições financeiras".

Partiu de pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) a suspensão de várias decisões com base em dados da Receita

Pedro França/Agência Senado

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria-Geral da República (PGR), recorreu da decisão do TRF3 e defendeu no STF que a legislação garante à Receita Federal o acesso de dados bancários mesmo sem ordem judicial e lembrou que o Fisco está legalmente obrigado a comunicar ao Ministério Público indícios da prática de crimes, não sendo exigida, segundo o MPF, ordem judicial.

O Supremo considerou o caso como de repercussão geral, o que vai unificar o entendimento de todos os julgamentos no STF com o mesmo questionamento.

'Sem isso, voltamos à ditadura'

Advogado do casal de Americana no caso, Roberto Antonio Amador revela que não esperava a repercussão que ele ganhou e ressalta que tudo partiu de seu recurso e não de Flávio Bolsonaro. O defensor segue sustentando que houve violação a um direito constitucional e quebra de sigilo bancário sem autorização.

"Tem que ter autorização de judicial. Sem isso, voltamos à ditadura. Ninguém pode entrar numa conta bancária, no telefonema pelo qual estou falando com você. Ninguém nesse mundo. Se um dia mudar [a lei] tudo bem, mas até isso não", argumenta.

Sobre a acusação da Receita de que houve sonegação, ele defende que o casal não poderia mais atuar com a conta de sua pessoa jurídica. "E começaram a fazer movimentações financeiras na conta física, depositando cheques, dinheiro. Foi isso que aconteceu. Até hoje, desde 2003, ficaram indisponíveis sete imóveis deles, não pode locar, vender. Quem indispôs não foi um juiz, foi a Receita", completa.

Suspensão temporária

Todas as investigações em curso no país que tenham como base dados sigilosos compartilhados pelo então Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela Receita Federal sem autorização prévia da Justiça foram suspensas temporariamente pelo ministro Dias Toffoli em julho deste ano. O pedido foi do filho do presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro, neste processo originário de Piracicaba.

Pedido de dados

Também nesta ação, Toffoli decidiu na noite da última segunda-feira (18) revogar a decisão proferida por ele no fim de outubro que exigia da Unidade de Inteligência Financeira (UIF, antigo Coaf) a apresentação dos relatórios de inteligência financeira dos últimos três anos referentes a 600 mil pessoas físicas e jurídicas.

Toffoli já tinha recebido da UIF o acesso aos relatórios, mas afirmou que informações prestadas posteriormente pelo órgão foram satisfatórias. Segundo ele, o STF não acessou nenhuma informação sigilosa. O ministro havia pedido as informações em 25 de outubro para subsidiar o julgamento marcado para esta quarta-feira (20) sobre o compartilhamento de dados sigilosos por órgãos de inteligência.

*Sob supervisão de Rodrigo Pereira

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Fonte: G1

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