Guerra na Ucrânia freia expectativa de avanço da economia após surpresa positiva do PIB

Por Redação em 06/03/2022 às 08:39:12

A economia brasileira surpreendeu positivamente ao registrar avanço no quarto trimestre de 2021 após dois períodos seguidos de resultados negativos. O crescimento de 0,5% entre outubro e dezembro – acima do 0% esperado por economistas – deu impulso para o Produto Interno Bruto (PIB) subir 4,6% no ano passado e superar as perdas geradas pela pandemia da Covid-19. O ritmo acelerado dos últimos meses de 2021, no entanto, deve encontrar resistência nos próximos meses com a eclosão da guerra no Leste Europeu e os impactos de sanções e fechamento de fronteiras no comércio global. Vale lembrar que o cenário doméstico não vinha sendo totalmente favorável. Mesmo antes da invasão da Ucrânia por tropas russas, os sinais apontavam para um ano desafiador com a inflação pressionada e os juros escalando acima dos dois dígitos — fenômenos que devem se agravar com o conflito. Mas o caminho ao menos indicava uma luz no fim do túnel, principalmente pela retomada das atividades ligadas ao lazer e às viagens, enquanto as condições climáticas apontam para a recuperação do agronegócio.

A recuperação econômica de 2021 foi puxada pela alta de 4,7% do setor de serviços, o que detém a maior fatia da conta do PIB e é o principal responsável pelo mercado de trabalho. Já o consumo das famílias, que registrou avanço de 3,6% ao longo do ano passado, o mais expressivo em uma década, também foi um destaque positivo. “O quarto trimestre surpreendeu e afastou o cenário de recessão. A economia estava tomando fôlego no fim do ano, e isso por causa da volta da circulação de pessoas e o aumento do turismo. Agora a situação com a guerra estanca essa possível retomada”, afirma a economista e professora do Insper, Juliana Inhasz.

Na comparação de trimestre contra o mesmo período anterior, o agronegócio registrou avanço de 5,8%, o maior salto desde 1997. O resultado, no entanto, se deve pela base fraca de comparação, já que entre julho e setembro o setor desabou 7,4%, mas indica que a produção rural está em trajetória de crescimento. Por décadas considerada a “locomotiva” do PIB por garantir o avanço do país, ou ao menos evitar uma queda mais acentuada, a agricultura registrou retração de 0,2% em todo o ano passado. A perda de protagonismo foi gerada pela baixa produção de bovinos e leite, causada por questões climáticas, que vão desde a pior seca em um século até o excesso de chuvas e temperaturas negativas. Para o economista da XP Investimentos, Rodolfo Margato, mesmo as recentes condições adversas, como enchentes na região Sudeste, não devem abalar a retomada do setor neste ano. “É menos sensível ao ciclo econômico. Mesmo considerando uma quebra na safra de grãos, quando se olha para o todo, em 2022 deve ter um bom crescimento”, explica.

O avanço dos russos sobre a Ucrânia há 11 dias fez disparar os indicadores de incertezas em todo o mundo. A Rússia é um dos principais produtores de petróleo em todo o mundo, e o risco de desabastecimento por causa do conflito fez o barril do tipo Brent — referência para a Petrobras — encostar em US$ 120 na semana passada, o maior valor desde 2012. Já a Ucrânia desempenha um papel fundamental no abastecimento de grãos, como o trigo, a cevada e o milho, que também tiveram fortes reajustes para cima. Apesar de o Brasil se beneficiar com a valorização das commodities, no longo prazo, os resultados inflacionários e do clima de temor devem acarretar prejuízos por trazer peso a uma situação já bastante agravada. “Quando se olha para a economia brasileira como um todo, o impacto é negativo. A situação leva ao aumento de incertezas e da percepção de riscos e gera mais problemas logísticos”, explica o especialista da XP.

O mercado estima alta de 0,3% da economia neste ano, segundo previsões do Boletim Focus, a pesquisa semanal do Banco Central (BC) com mais de uma centena de instituições. A previsão foi divulgada antes da publicação do resultado do PIB, e pode sofrer alterações nas próximas edições. O número é contestado pelo Ministério da Economia, que prevê alta próxima de 2%. Para Inhasz, a expectativa é de algo mais próximo de estagnação do que o otimismo projetado pelo governo federal. A economista chama a atenção para que, mesmo com os sinais de cessar-fogo e as indicações de que o confronto armado deva não se estender para muito além das próximas semanas, os problemas gerados pela quebra de acordos, a interrupção de rotas comerciais e o clima de tensão devem continuar pressionando para baixo as estimativas de crescimento. “Antes, tínhamos muita incerteza interna. Agora, o problema é a incerteza internacional. Dependendo do que ocorrer nas próximas semanas, talvez até a projeção de 0,3% seja muito otimista”, afirma. Na XP, a estimativa foi mantida em crescimento nulo (de 0%). A diferença é que até o meio de fevereiro, as estimativas apontavam para revisão para cima, enquanto agora o quadro fica menos otimista. “Já havia sinal de viés positivo no primeiro semestre, mas, com os eventos recentes no ambiente global, adotamos uma postura mais cautelosa”, explica Margato.

Fonte: JP

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